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A Biblioteca Pública de Santa Catarina como um lugar de práticas
culturais - entre documentos e falas
Gisela Eggert Steindel (UDESC) - f9giza@gmail.com
Luciane Gonçalves Toledo (UDESC) - santiagodemelo.luciane@gmail.com
Resumo:
A pesquisa tratou de apreender dos funcionários da Biblioteca Pública do Estado de Santa
Catarina sua percepção em trabalhar numa instituição pública estadual de
leitura. A investigação, ancorada nos estudos culturais. Constitui-se de um estudo descritivo
quanti–qualitativo tendo, para os dados de pesquisa, fontes documentais, relatórios da
biblioteca com corte temporal entre 1980 e 2008, aplicação de um
questionário a funcionários. O exame dos relatórios mostrou a potencialidade não só histórica
desse tipo de documento, produzido ao longo do tempo pelos administradores
dessa biblioteca, como também se revelou uma ferramenta de gestão do passado com vista ao
presente e de um olhar para o amanhã de uma instituição de leitura. A manifestação dos
funcionários a respeito de trabalhar nela, evidenciou uma expressão
de subjetividades e projetos de vida de cada qual.
Palavras-chave: 1. História do Livro - Biblioteca Pública Contemporânea. 2. Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina (SC) – Relatórios Administrativos
(1980-200
Área temática: Bibliotecas Públicas
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�XXV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documento e Ciência da Informação –
Florianópolis, SC, Brasil, 07 a 10 de julho de 2013
A Biblioteca Pública de Santa Catarina como um lugar de práticas culturais entre documentos e falas
RESUMO
A pesquisa tratou de apreender dos funcionários da Biblioteca Pública do Estado de
Santa Catarina sua percepção em trabalhar numa instituição pública estadual de
leitura. A investigação, ancorada nos estudos culturais. Constitui-se de um estudo
descritivo quanti–qualitativo tendo, para os dados de pesquisa, fontes documentais,
relatórios da biblioteca com corte temporal entre 1980 e 2008, aplicação de um
questionário a funcionários. O exame dos relatórios mostrou a potencialidade não só
histórica desse tipo de documento, produzido ao longo do tempo pelos administradores
dessa biblioteca, como também se revelou uma ferramenta de gestão do passado com
vista ao presente e de um olhar para o amanhã de uma instituição de leitura. A
manifestação dos funcionários a respeito de trabalhar nela, evidenciou uma expressão
de subjetividades e projetos de vida de cada qual.
PALAVRAS-CHAVE: 1. História do Livro - Biblioteca Pública Contemporânea. 2.
Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina (SC) – Relatórios Administrativos
(1980-2008). 3. Biblioteca Pública (SC) – Representação (funcionários). 4. Biblioteca
Pública – Práticas culturais.
Área Temática: Biblioteca Pública
1 O CONTEXTO DO TEXTO
O Manifesto da Unesco acerca da biblioteca pública contemporânea
fundamenta-se no na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e
proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10
de dezembro de 1948.
O manifesto pressupõe que “a liberdade, a prosperidade e o progresso da
sociedade e dos indivíduos sejam valores humanos fundamentais. Esses valores “só
serão atingidos quando os cidadãos estiverem na posse das informações que lhes
permitam exercer os seus direitos democráticos e ter um papel ativo na sociedade”.
Segundo a Unesco, a biblioteca pública tem como missões:
�-
criar e fortalecer hábitos de leitura;
apoiar a educação, a formação e a autoformação;
possibilitar o desenvolvimento pessoal;
estimular a imaginação e criatividade;
promover a herança cultural;
estimular o diálogo cultural;
atentar para a tradição oral;
assegurar as diferentes formas de informação;
proporcionar serviços de informação a diferentes organizações;
apoiar a criação e desenvolvimento de atividades de alfabetização e participar
delas (Unesco).
Ancorados nesses termos e na abordagem dos estudos culturais, podemos
considerar que esse lugar público, no caso, a Biblioteca Pública de Santa Catarina
(BPSC), é palco da leitura e escrita da memória catarinense e um espaço de
intercâmbio de prazer ou de crítica da palavra viva.
A biblioteca, objeto do presente estudo, foi criada oficialmente em maio de 1854.
Machado (2007) lembra a “efêmera instalação, em 1831, de um Gabinete de Leitura”.
Da instalação de um gabinete até o de uma biblioteca pública provincial passaram-se
cerca de 20 anos. Assim, 1854 é datado como o ano de criação da nossa hoje
Biblioteca Pública de Santa Catarina. A denominação “pública” lhe passou a
incumbência de difundir e aperfeiçoar a cultura local a toda a comunidade. Segundo
Machado (2007), foram muitos os nomes e diferentes as ajudas que resultaram na
composição de seu acervo bibliográfico para que ela de fato existisse de acordo com
os meios legais1.
O primeiro bibliotecário da então Biblioteca Pública Provincial de Santa Catarina
foi o paulista Francisco Paulo Marques de Carvalho – Franc da Pauliceia -, que, pelo
tempo em que esteve em Santa Catarina, desenvolveu muitas e diferentes atividades
culturais na cidade (MACHADO, 2007).
1
Ver também CORRÊA, Carlos Humberto P. A sociedade patriótica catarinense e o primeiro gabinete de
leitura da província. In: _____________ . História da cultura catarinense: o estado e as idéias.
Florianópolis: Ed. UFSC; co-edição Diário Catarinense, 1997. p. 19-45.
�A partir do estudo da Biblioteca Pública Municipal Rui Barbosa2, venho me
dedicando a melhor compreender as instituições públicas voltadas à leitura3, em
particular às bibliotecas. O exame dos registros nessa biblioteca e na Sociedade
Literária São Bento mostrou que uma instituição dessa natureza é constituída não
apenas por leis, decretos e técnicas, mas, principalmente, pela sensibilidade do
trabalho daqueles que lhe abrem as portas dia após dia, ainda que em muitos casos
tais instituições não constem entre as prioridades do poder público.
Neste mesmo sentido, à observação mais atenta aos agradecimentos de teses,
dissertações livros e/ou outros suportes de informação, é possível verificar como
pesquisadores e autores, de modo recorrente nas páginas pré-textuais, ocupam
espaços e redigem textos de gratidão ao corpo de funcionários das bibliotecas às quais
recorreram para levantar dados, consultar obras ou apenas por haverem ocupado suas
instalações físicas para seus estudos.
Se ainda estão por se fazer estudos sobre a Biblioteca Pública de Santa Catarina,
que desempenha o especial papel de instituição de guarda, disseminação e “lugar de
memória” coletiva da produção intelectual do estado de Santa Catarina, também estão
aguardando a sua vez os que poderiam iluminar o trabalho dos que atuam nessa
biblioteca enquanto instituição pública de leitura.
No bojo dessas inquietações, colocaram-se algumas questões que nortearam o
presente trabalho, que se propõe olhar o quadro de funcionários que atuaram ou nela
atuam desde os anos 80 do século XX a 2008. Uma das justificativas para esse corte
temporal é que é a partir dos anos 80 o estado realiza com mais regularidade
concursos públicos para prover os cargos da instituição. O ano de 2008 se justifica por
questão de ordem prática, posto que a pesquisa se iniciou em 2009.
A pergunta que deu origem ao estudo foi: Como o corpo de funcionários da
2
EGGERT-STEINDEL, Gisela. Dos espaços de leitura à constituição da instituição de leitura
pública – conformação da biblioteca municipal de Jaraguá do Sul (SC): discursos e percursos
(1937-1983). Tese. Programa de Pós-Graduação em Educação/Feusp. São Paulo, 2005.
3
EGGERT-STEINDEL, Gisela; CISNE, Caroline Santos de. Relatório de pesquisa. “Uma instituição de
leitura no Planalto Norte Catarinense: a Sociedade Literária São Bento”. Florianópolis: Udesc/
Probic, 2007.
�Biblioteca Pública de Santa Catarina apreendem o seu trabalho ao longo de sua
vinculação com a instituição pública de leitura? Outras perguntas ampliam a pergunta
principal, com o intuito de compreender o pensar e o fazer do corpo funcional nessa
biblioteca, tipo: Como se tornaram funcionários da BPSC? - Qual a formação e a
qualificação dos que compõem o quadro da Biblioteca? - Qual o registro de suas
atividades - O que significa para eles atuar nessa biblioteca? - Como apreendem o
trabalho?
O estudo é descritivo quanti-qualitativo. Adotou princípios da história cultural na
perspectiva de decifrar a leitura dos dados documentais a partir dos relatórios da
biblioteca, os questionários aplicados aos funcionários e uma posterior leitura foram
ancorados nos estudos do campo da educação das obras de Antonio Nóvoa (2007) e
Pereira (1996).
2 O TRABALHO NA BIBLIOTECA: DOCUMENTOS E FALAS
2.1 RELATÓRIOS O QUE REGISTRAM - UMA PERCEPÇÃO
Os relatórios administrativos de uma instituição assumem diferentes funções ao
longo do tempo. Se, por um lado, a redação de relatórios cumpre a função de registrar
os resultados de um plano de trabalho mensal ou anual como ferramenta de gestão
para o período determinado, seu conjunto pode, por outro, iluminar a história dessa
instituição no fazer do seu dia-a-dia.
Os relatórios analisados no presente estudo, em sua materialidade, sinalizam as
mudanças tecnológicas do suporte vivenciadas quer pelo corpo de funcionários quer na
própria elaboração escrita dos documentos. Isto é, sua produção, nos finais do século
XX, eram tão e somente gerados no suporte papel. Já os relatórios produzidos a partir
de 2005 do século XXI foram gerados e são disponibilizados em formato eletrônico.
Outros quesitos chamam a atenção ao se consultar tais documentos para os
efeitos da pesquisa. Pode-se destacar o longo registro descritivo dos relatórios
elaborados até fins da década de 90. Precisamente a partir de 2003, assumem um teor
descritivo-quantitativo em detrimento de uma exposição detalhada das atividades e
�apresentadas nos relatórios redigidos até fins do século XX. A perspectiva quantitativa
é definitivamente assumida quando elaborados no suporte eletrônico. Melhor
explicitando a informação apresentada nos relatórios a partir de 2005, pode-se dizer
que são telegráficos; o tempo para os elaborar parece diminuir . Se a leitura dos
primeiros, claramente descritivos, suscitavam inúmeras perguntas a nós leitores–
pesquisadores, esse questionamento paulatinamente desaparece diante dos dados
numéricos rígidos apresentados nos relatórios do século XXI. Um paradoxo, ao se
pensar que o meio eletrônico assume uma característica mais próxima ao infinito no
que diz respeito ao meio no qual se redige um documento.
Os relatórios da década de 80 são elaborados anualmente; já a partir dos anos
90, passam a mensais, desprovidos de síntese ou balanço dos trabalhos efetuados
durante o referido ano. Registra-se que ao longo do tempo se estabelece a prática de
descrever as atividades por setor, apontando assim as especificidades e os resultados
de cada um.
Os registros mostram que as ações desenvolvidas na biblioteca apontam para
algumas regularidades típicas de biblioteca como: controle, movimento do público e por
setor, número de obras emprestadas e/ou somente consultadas, atendimento de
público por setor, resultado de produção (como os serviços técnicos de registro de
obras), catalogação e classificação de livros e outros materiais, atividades culturais e
de extensão.
No que tange ao quadro de funcionários, os relatórios da década de 80 indicam
o nome e o setor em que cada um estava alocado. Nos anos 1980 a 1985, registram-se
funcionários alocados nos seguintes setores: setor técnico, setor de jornais, setor de
Santa Catarina, periódicos, setor de obras raras e direção. Nos anos 1986 a 1990,
registram-se os seguintes setores: direção, setor de obras raras, braile. Desse período,
indicam-se como qualificação profissional uma bibliotecária na direção e uma
professora no setor braile. O número de funcionários flutua entre 52 e 49. Identificaramse seis bibliotecárias, incluindo-se a da direção da biblioteca.
�Os relatórios da década de 90 indicam o nome do funcionário e respectivo setor
de atuação. Destaca-se que o quadro de funcionário oscila entre 43 e 41, sem qualquer
indicação da qualificação profissional. Nesse período, havia seis bibliotecários, de
acordo com os nomes arrolados nos documentos e verificados no Conselho Regional
de Biblioteconomia - CRB 14. Os setores de atuação relacionados são os seguintes:
-
direção, laboratório de conservação e restauração (Lacre);
portaria;
setor infantil;
setor de obras gerais;
setor de empréstimo;
reprografia;
setor de Santa Catarina;
setor de periódicos;
setor de intercambio;
setor técnico.
Por último, já no século XXI, os relatórios indicam as atividades realizadas. A
denominação executiva de direção da biblioteca é designada como gerência da
biblioteca - adotada pelo governo do estado a partir de 2001.
Na análise dos dados acerca do quadro de funcionários a partir dessa data já
não aparece mais a prática descritiva, e mais detalhada, do pessoal, da formação, da
qualificação e da função de cada um. A mudança na apresentação de dados e
relatórios poderia, de algum modo, fazer pensar num propósito de invisibilidade do
corpo de funcionários da biblioteca ou, pior, numa prática de alta rotatividade de
funcionários.
2.1.1 DO PRESCRITO AO REGISTRADO: UM OLHAR COMPARATIVO
A leitura dos relatórios permitiu alguma visibilidade dos trabalhos da biblioteca
e numa tentativa de ampliar essa visibilidade comparou-se os mesmos com os planos
de governo do período estudado.
O plano de governo de Jorge Konder Bornhausen era denominado “Política de
Desenvolvimento Regional e Urbano para Santa Catarina”. No que tange à área da
cultura, reconheceu ser dever do Estado promover a cultura, proteger os valores
�socioculturais e reconhecer a necessidade de desenvolvimento social e cultural. Foi
nesse período que se criaram o Centro Integrado de Cultura (CIC) e a Fundação
Catarinense de Cultura (FCC), da lei de tombamento estadual do patrimônio cultural de
Santa Catarina, além dos conselhos municipais de cultura. Nos relatórios da biblioteca
referentes a esse governo, pôde-se observar a parceria com a Universidade Federal de
Santa Catarina no processo de microfilmagem de jornais e doações. Também era
recorrente nos documentos, por parte da direção, registrar queixas a respeito da falta
de recursos financeiros, de pessoal e de capacitação do quadro de funcionários
(SANTA CATARINA, 1979; 1981).
O plano de governo do primeiro mandato de Esperidião Amim Helou Filho teve
como Slogan “A vez do pequeno: uma experiência de governo” e “ Carta dos
catarinenses: Santa Catarina, um compromisso com o futuro”. Nesse plano, previam-se
ações voltadas à cultura;
pode-se também afirmar que se voltavam à Biblioteca
Pública de Santa Catarina (AMIN, 1982; 1986).
Embora se pudessem observar queixas quanto a recursos de ordem financeira à
biblioteca, constam, nos relatórios do período de 1983/1987, cursos de capacitação
efetuados pelos funcionários, criação de setores, como o Setor de Santa Catarina, do
Setor Braile, do Laboratório de Conservação, Restauração e Encadernação (Lacre),
por exemplo. Em outras palavras, o plano de governo de certo modo incluiu a biblioteca
e cumpriu, talvez com limitações, as ações propostas.
O plano de governo de Pedro Ivo Figueiredo de Campos – 1987/1990 - não
recebeu alcunha própria. Mas seu plano de governo, segundo Kleinubing e Mattos
(1986), foi prioritariamente o da recuperação financeira do estado.
Com relação ao campo da cultura, o plano de governo afirmava: “[...] apoiará a
implantação de bibliotecas, centros de documentação e de museus, estimulando a
preservação, ampliação, difusão e uso de seus acervos, em articulação com
prefeituras,
universidades,
fundações
(KLEINUBING e MATTOS, 1986).
educacionais
entidades
privadas
[...]”
�Dentro deste panorama governamental, os relatórios correspondentes a esse
período mostram a realização de uma reforma que, somando as mudanças operadas
em diversos setores, como o setor Hemeroteca, o Setor de Jornais Catarinenses e o
Setor Braile, ampliou a Biblioteca Pública de Santa Catarina em mais de 100%.
O governo do período de 1991 a 19944, de Vilson Pedro Kleinubing, tinha um
plano denominado “Plano Sim”. Destacam-se, dentre as ações propostas, a extinção
de 50% dos cargos públicos de confiança, a não-contratação de pessoal, a realização
de concursos internos para valorização de pessoal e a previsão de ampla capacitação
do funcionário público catarinense. Relativamente ao quadro de funcionários da
biblioteca, constam nos relatórios queixa frequente de falta de funcionários, relatos de
greve, remanejamento de funcionários de setores para sanar as demandas da
biblioteca, redução do horário na forma de expediente no verão (13h00 às 19h00).
Por outro lado, a biblioteca, de acordo com os informes desse período, mostra
com recorrência o desenvolvimento de atividades culturais como exibição de filmes,
exposições de diferentes expressões artísticas, na sua maioria catarinenses; diversas
atividades no setor infantil, promovendo interação da criança com a biblioteca;
presença da edição e publicação de obras de/sobre autores catarinenses; gravação de
livros falados pelo Setor Braile e elaboração de projetos enviados à FCC (KLEINUBING
e REIS, 1990).
No período de 1995 a 19995, assumiu Paulo Afonso Evangelista Vieira, cujo plano
de governo se denominava “Construção de um Estado de Qualidade”. Dentro desse
espírito é que devem situar a reforma do prédio da biblioteca, a restauração do piso de
madeira, a recuperação da iluminação do hall de entrada, a colocação de película e a
instalação de ar condicionado (SANTA CATARINA, 2010).
Ao final do século XX e início do século XXI, Esperidião Amin Helou Filho, de
1999 a 2003, assumiu o segundo mandato. No âmbito da Cultura, segundo consta no
documento SANTA CATARINA (1999), as ações se voltavam ao incentivo às
4
No período de 1990 a 1992, o País tinha como presidente Fernando Collor de Melo.
De 1995 a 2002, o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso, que cumpriu dois
mandatos consecutivos.
5
�manifestações culturais e à valorização da memória cultural, à recuperação da
memória do Contestado e à criação de condições de produção e divulgação artística
em geral, à publicação dos “Cadernos da Cultura Catarinense”, além do incentivo da
literatura regional, afora a realização da Semana da Cultura Catarinense, com diversas
atividades. Nesse período, a Biblioteca Pública de Santa Catarina sofreu novas
reformas, como a da informatização.
A leitura dos relatórios desse período mostra a participação constante da
instituição em eventos culturais, na execução de exposições, no lançamento de livros,
na visita guiada de alunos de escolas e estudantes ao ambiente de leitura pública.
Também são recorrentes os indicativos de trabalhos de assessoria ali realizados.
No período 2003/2010, Santa Catarina é governada por Luis Henrique da Silveira.
São dois mandatos, cuja proposta de trabalho era o Plano Catarinense de
Desenvolvimento SC/2015. O plano foi elaborado no início de seu primeiro mandato,
pautado em um planejamento de longo prazo das atividades econômicas, sociais e
culturais do estado até 2015.
A partir de suas diretrizes, o setor da cultura compõe a dimensão social
acompanhada da saúde, assistência social, trabalho e renda, educação e segurança
(SANTA CATARINA, 2006). O plano comporta políticas voltadas a atividades culturais,
à valorização do patrimônio cultural catarinense, à democratização da cultura e ao
estímulo ao desenvolvimento da cultura local, com um mapeamento do patrimônio
histórico-cultural - material e imaterial -, isto é, à promoção cultural por todo o estado de
Santa Catarina.
Observando os relatórios da biblioteca do período, nota-se que apresentam dados
significativamente quantitativos referentes ao fluxo de usuários, à disponibilização dos
serviços da rede internet, à realização de atividades culturais em datas comemorativas,
à participação dos funcionários em cursos de capacitação e investimentos na
infraestrura do prédio da biblioteca. Nesse período, são mantidos inalterados os
serviços herdados de outros períodos. Em outras palavras, não há dados significativos
�para afirmar a existência de efetiva intervenção do plano de governo na biblioteca,
senão na manutenção dos serviços pertinentes à instituição.
2. 2 O QUE EXPRESSAM ALGUMAS FALAS
A leitura e o entendimento às respostas6 elaboradas pelos funcionários refletem
o estudo e as reflexões da obra “Vidas de professores”, organizada por Nóvoa (2007),
que tem como metodologia característica de trabalho a abordagem autobiográfica. Os
autores, nessa obra, ensinam a superar a dicotomia entre o eu profissional e o eu
pessoal, quando tratam de investigar a vida de professores. Assim, uma das autoras,
Jennifer Nias (apud NÓVOA, 2007, p.15-7 passim) (grifo nosso), destaca: “o professor
é a pessoa; e uma parte importante da pessoa é o professor”. Nessa mesma direção,
com uma abordagem biográfica, Pereira (1996) afirma que a pessoalidade e a
professoralidade andam juntas, isto é, ser professor é uma alternativa, uma saída que o
sujeito constrói a fim de realizar um projeto emergente em sua subjetividade. Num
raciocínio semelhante, mas tendo por foco o bibliotecário ou funcionário dessa
biblioteca, poder-se-ia inferir que as manifestações relatadas nos questionários
apontam, de certo modo, para a realização de um projeto (pessoal-profissional) da
subjetividade ao se vincularem à biblioteca como lugar de trabalho.
6
Que razões o/a levou a escolher trabalhar na Biblioteca Pública de Santa Catarina?
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Você se imaginava trabalhar numa biblioteca?
Quais as atividades que você desenvolveu ao longo do tempo na biblioteca?
As atividades realizadas lhe suscitam ou suscitavam que tipo de sentimento?
Quais as atividades que você mais gosta ou gostava de realizar na biblioteca?
O que você tem a falar sobre o seu trabalho desenvolvido na biblioteca?
O que significa para você, trabalhar nessa biblioteca?
Qual/quais os sentimento/s que você elabora para o seu trabalho realizado na biblioteca ao
longo dos anos?
8. Existe algo do seu trabalho que você gostaria de ter realizado?
9. O que é uma biblioteca para você?
�QUADRO 1 – RAZÕES E ATIVIDADES NA BIBLIOTECA
Dimensões
Bibliotecária
(1)
Categorias profissionais
Bibliotecária (2)
Agente
Administrativo (1)
Agente
Administrativo (2)
Pessoa (por que
a biblioteca)
- Desejo de
independência
financeira.
- Oportunidade
de trabalho a
levou a
estudar
biblioteconomi
a.
- Perfil de leitora.
-A Biblioteca
Pública de Santa
Catarina, como
espelho/exemplo,
a
levou escolher a
profissão.
- A família leitora
como referência de
formação pessoalprofissional.
- Primeira atividade
remunerada foi em
uma
editora/distribuidor
a de livros.
- Leitor.
- Descoberta da
biblioteca pública
como atuação
profissional. [...]
fomos lotados nas
casas que
necessitavam de
pessoal e vim
parar na biblioteca.
Atividades na
biblioteca
- Passou por
alguns setores
antes de
assumir a
direção.
- Atividades
administrativas
e técnicas.
+ Atividades
de extensão e
culturais.
- Passou por
vários setores
desenvolvendo
atividades
técnicas e
pertinentes à
biblioteconomia.
- Atendimento do
setor de Santa
Catarina.
- Conhecimento do
acervo e sua
importância.
- Preocupação em
conhecer o acervo
e ajudar os
usuários.
- Passou por
vários setores.
- Atividades na
direção.
- Atendimento aos
usuários.
+ Atendimento
ao usuário.
+ Atendimento ao
usuário e
tratamento técnico
da informação.
O formato dos quadros foi uma escolha de escrita para mostrar uma
representação elaborada pelos funcionários que se colocaram à disposição para a
coleta de dados. Nesses dois quadros são apresentadas as dimensões pesssoaisprofissionais e suas categorias profissionais implicadas na representação que cada
assume em sua fala no trabalho experienciado nessa biblioteca pública categoria
estadual.
�QUADRO 2- REPRESENTAÇÃO DO TRABALHO NA BIBLIOTECA
Dimensões
Representação
do trabalho na
biblioteca
Categorias profissionais
Bibliotecária (1)
Bibliotecária (2)
- Sentimento de
gratidão.
- Acesso e
democratização
da informação.
-Mediadora;
solidariedade.
- Importância
da biblioteca
pública na
prática e
democratização
da leitura.
Comprometime
n-to profissional
com gerações.
- Prática de
trabalho “com a
mente e corpo”.
- Percepção
profissional “exigem
conhecimento,
paciência,
experiência e
rapidez”.
+
Empreendorism
o.
+
Humanização,
profissional.
4 - Instituição
(Sentimentos)
5 - Conceito
(Biblioteca)
- Necessidade
de salários
dignos.
- Espaço público
com todos os
recursos para
se obter
informação.
Desvalorização
profissional
pela instituição.
Centro cultural,
lugar de saber.
Agente
Administrativo (1)
- Frequentador e
trabalhador da
Biblioteca.
- Amizade com
funcionários
estimula a
trabalhar na
biblioteca.
- Satisfação e
contentamento;
ciência do valor de
seu trabalho.
- Realização
profissional e
pessoal.
- Consciência do
seu papel na
formação de
indivíduos.
+ “Dedicação,
disposição e
paciência”;
preservação do
acervo.
Infraestrutura
adequada por
acontecer.
Silêncio (lugar de)
Agente
Administrativo (2)
Gratificação,
descobertas e
conhecimentos.
+ Gestão
profissional de
pessoas.
Supervalorização
do setor de
trabalho.
Lugar de
descoberta,
pesquisa e lazer.
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DO ESTUDO
A política institucional da Biblioteca Pública de Santa Catarina professa, como
missão, “manter, conservar e desenvolver a memória cultural do estado e promover a
divulgação da cultura em geral, incentivando o hábito da leitura” (FUNDAÇÃO
CATARINENSE DE CULTURA, 2011). Para além de sua missão, há que lembrar o
depósito legal constante da Lei nº 11.074, de 11 de junho de 1999, pelo qual editoras e
escritores de Santa Catarina se comprometeram a doar um exemplar de cada obra
�impressa ao acervo da BPESC, com o objetivo de assegurar o registro e preservar,
através da guarda de publicações, a memória do Estado de Santa Catarina” (loc. cit).
Essas são ferramentas conceituais e legais, que não só dão legalidade, mas também
uma legitimidade às atividades desenvolvidas nessa instituição pública de leitura, além
de garantirem a continuidade do seu papel como “lugar de memória” e democratização
da informação e do conhecimento.
O estudo permite algumas considerações pautadas nos objetivos específicos da
proposta de investigação.
O “corpus documental”, por exemplo, mostrou que sua materialidade sofreu
mudanças de ordem tecnológica no contexto da modernização local, nacional e global
própria do século XX.
Os relatórios apontaram, quanto ao quadro de funcionários no período analisado,
uma escrituração de pouca consistência e permanência de dados. De modo
especulativo, pode-se inferir que o quadro de funcionários é invisível nos relatórios;
excetuando do quadro de bibliotecários os funcionários concursados, os demais,
responsáveis por atividades operacionais do dia-a-dia da biblioteca, apresentam um
alto grau de rotatividade, o que pode levar a pensar o “viés indicação política” na
constituição do quadro de funcionários dessa biblioteca pública.
As práticas registradas nos relatórios, nas falas denotaram uma constância de
atividades que colocam em movimento uma biblioteca, práticas biblioteconômicas
inerentes a uma instituição cultural dita biblioteca. No entanto, a partir da década de 90
do século XX, ficou claro que passaram a ser incrementadas as tecnologias de
informação (TI).
As práticas de trabalho na biblioteca, por eles manifestadas, conjugam as
atividades de gestão de pessoal com rotinas técnicas de biblioteconomia até as
próprias de bibliotecários – registro, classificação, catalogação do acervo, gestão do
crescimento acervo bibliográfico da biblioteca e serviços de referência quando do
atendimento especializado dos frequentadores. Já quanto às dos funcionários técnicoadministrativos, manifestaram que são diversas as atividades realizadas em diferentes
setores da biblioteca ao longo do tempo.
Em sua percepção, a instituição biblioteca é uma porta para a democratização,
�um centro cultural, um lugar de silêncio, um lugar de descoberta, de pesquisa e lazer.
O estudo de uma das facetas desse ambiente - a partir dos relatórios, das falas
e imagens produzidas da e sobre essa biblioteca no período 1980–2008, aponta não
verdades absolutas, mas apostas governamentais, profissionais e de seus usuários
(leitores, consulentes).
Merece observação a contextualização no âmbito das políticas federais
voltadas à cultura: é perceptível a influência do cenário sociopolítico nos planos de
ações do governo do estado de Santa Catarina e, consequentemente, no ambiente da
biblioteca, de acordo com os relatórios.
O ambiente propriamente dito também aponta algumas situações corriqueiras,
ou recorrentes, como, por exemplo, as constantes queixas quanto aos recursos de
pessoal, financeiros e de capacitação, apesar de também se registrarem, de maneira
periódica, cursos de capacitação.
Existe ainda, principalmente na década de 90 do século XX, o relato de
constantes reformas estruturais no prédio. Outros aspectos a apontar são a
permanente promoção da cultura de variadas formas, como o incentivo à leitura da
literatura catarinense, a exibição de filmes em diversos horários (desde 1980 presente
nos relatórios), assim como ações de incentivo à leitura realizadas pelo setor infantil, à
realização de palestras e eventos, entre outros aspectos apontados no decorrer dos
anos.
Ressalta-se que a partir da leitura dos relatórios e de um comparativo da
contextualização do quadro sócio-político-econômico do País no período de 1980 a
2004, isto é, por um período de quase 30 anos, muitas ações governamentais estaduais e federais – mantiveram-se constantes, indicando, por um lado, mútua
influência entre as esferas governamentais e, por outro lado, o reflexo da oscilação
sociopolítico por que o País também passou.
Por fim, o exame dos relatórios mostrou a potencialidade não só histórica desse
tipo de documento, produzido ao longo do tempo pelos administradores da biblioteca
em tela, mas também se revelou uma ferramenta de gestão do passado, do presente e
�do olhar para o amanhã de uma instituição de leitura. A manifestação dos funcionários
evidenciou que trabalhar na biblioteca foi uma maneira de expressar subjetividades e
projetos de vida.
REFERÊNCIAS
AMIN, Esperidião. A vez do pequeno: uma experiência do governo. 2. ed.
Florianópolis: Casa Civil, 1986.
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Dublin Core
The Dublin Core metadata element set is common to all Omeka records, including items, files, and collections. For more information see, http://dublincore.org/documents/dces/.
Title
A name given to the resource
CBBD - Edição: 25 - Ano: 2013 (Florianópolis/SC)
Subject
The topic of the resource
Biblioteconomia, Documentação, Ciência da Informação
Date
A point or period of time associated with an event in the lifecycle of the resource
7-10 de Julho de 2013
Coverage
The spatial or temporal topic of the resource, the spatial applicability of the resource, or the jurisdiction under which the resource is relevant
Florianópolis/SC
Event
A non-persistent, time-based occurrence. Metadata for an event provides descriptive information that is the basis for discovery of the purpose, location, duration, and responsible agents associated with an event. Examples include an exhibition, webcast, conference, workshop, open day, performance, battle, trial, wedding, tea party, conflagration.
Dublin Core
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Title
A name given to the resource
A Biblioteca Pública de Santa Catarina como um lugar de práticas culturais - entre documentos e falas
Creator
An entity primarily responsible for making the resource
Gisela Eggert Steindel
Luciane Gonçalves Toledo
Coverage
The spatial or temporal topic of the resource, the spatial applicability of the resource, or the jurisdiction under which the resource is relevant
Florianópolis (Santa Catarina)
Publisher
An entity responsible for making the resource available
FEBAB
Date
A point or period of time associated with an event in the lifecycle of the resource
2013
Description
An account of the resource
A pesquisa tratou de apreender dos funcionários da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina sua percepção em trabalhar numa instituição pública estadual deleitura. A investigação, ancorada nos estudos culturais. Constitui-se de um estudo descritivo quanti–qualitativo tendo, para os dados de pesquisa, fontes documentais, relatórios da biblioteca com corte temporal entre 1980 e 2008, aplicação de umquestionário a funcionários. O exame dos relatórios mostrou a potencialidade não só histórica desse tipo de documento, produzido ao longo do tempo pelos administradoresdessa biblioteca, como também se revelou uma ferramenta de gestão do passado com vista ao presente e de um olhar para o amanhã de uma instituição de leitura. A manifestação dos funcionários a respeito de trabalhar nela, evidenciou uma expressãode subjetividades e projetos de vida de cada qual.
Language
A language of the resource
pt
cbbd2013